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Ponto de Vista do Batista
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A esferográfica

Nylton Gomes Batista

Conforme previsto, somente pessoas, na faixa dos 80 anos de idade,  reagiram com relação ao texto sobre o mata-borrão; reação mui prazerosa, poia, todos se surpreenderam com a lembrança de algo tão essencial, ao escrever uma carta, emitir documentos oficiais, fazer registros históricos, redigir originais de um livro e muito mais, que fosse necessário  colocar no papel. Ler sobre o antigo mata-borrão foi como revolver conteúdo de velho baú e, no cantinho, lá no fundo, encontrar objeto, do qual não mais se lembrava, porém, ao ser visto, trouxe à tona um conjunto de fatos e coisas, somente possíveis àquela época; e, como cantava antigo de carnaval, “recordar é viver”, pessoas puderam viver momentos mais intensos ao ler sobre o assunto. Demais pessoas, nascidas em pontos avançados, na linha do tempo, nem nunca teriam ouvido falar do, outrora indispensável, mata-borrão! O mata-borrão foi como uma lâmpada, que se acende, automaticamente, diante da necessidade, se apaga, da mesma forma, quando não mais necessária. Sua existência foi específica e em função das canetas, tinteiro e a de molhar. Substituídas tais canetas pela esferográfica, o mata-borrão perdeu seu lugar como auxiliar, no ato de escrever. Nesta era de tantas mudanças e transformações, a queda do mata-borrão soa como alerta a quem, uma só profissão ou habilidade, tem entre diversas com tendência ao desaparecimento.

A gênese da esferográfica teve como fato inicial a ideia do norte-americano, John J. Loud, que consistia em uma esfera, no interior de uma das extremidades de um tubo, que liberava tinta. O invento, que chegou a ser patenteado, seria para gravação em couro, nas não prosperou e caiu no esquecimento. Esquecida ficou até que, em 1938, o jornalista húngaro, László Bíró, inquieto com a lentidão das penas e o borrão das tintas, viu crianças a brincar com bolinhas, que rolavam na água, e, teve a inspiração para criar a esferográfica:  um tubo contendo tinta densa e uma pequena esfera metálica na ponta. A esfera rolava, tinta aderia à sua superfície e, à medida que o bico, formado pela esfera, deslizava pelo papel, onde a tinta. Ia se fixando.

Claro que, como qualquer coisa criada por mãos humanas, a novidade necessitava de aprimoramento; havia ainda que percorrer longo caminhar até chegar ao atual estágio. Como toda ideia revolucionária, assim também acontecera com a pena metálica, setores ligados â produção destas últimas, assim bem como à sua comercialização e uso em geral, levantaram-se contra. Considerada uma heresia, dizia-se que a tinta era indigna, que o traço era grosseiro, que jamais substituiria o lirismo da pena molhada. A resistência foi feroz, silenciosa em alguns momentos, escancarada em outros. Tipógrafos torciam o nariz. Havia quem dissesse que escrever com esferográfica era como cortar filé-mignon com facão de cortar mato. Para gáudio dessa turma do contra, estourou a Segunda Grande Guerra, pausando o processo de consolidação do invento.  Terminado o conflito, em 1945, o processo foi retomado e a resistência contra ele, também, porém com menor ardor, graças ao industrial francês, Marcel Bich, adquirente dos direitos da invenção, Marcel Bich, que aprimorou a nova caneta, refinou-lhe a tinta, dotou-a de corpo plástico transparente e, por fim, deu-lhe o nome, BIC, primeiras letras de Bich, seu nome.

Nos anos 50, a esferográfica começou a ser introduzida no Brasil, onde encontrou não menos que em sua origem. Na segunda metade daqueles anos, este autor cursava o ginasial, no antigo e saudoso Colégio Dom Bosco, e, pôde testemunhar parte do confronto entre a sociedade e o uso do novo instrumento da escrita. Era considerada como instrumento marginal, e, aluno que quisessem utilizá-la só podiam fazê-lo em rascunho, equiparada ao lápis. Trabalho escolar, escrito com esferográfica, era simplesmente anulado. Ninguém a queria, escriturários abominavam-na, bancos a repeliam, cheques com ela preenchidos não eram aceitos. Com o passar do tempo, as barreiras foram, gradativamente, rompidas, até que seu uso se consolidou; mas, não foi fácil!

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